Movimentos de libertação nacional adoptam referências libertárias

8thOct. × ’14

(Copiado de Colectivo Libertário Evora, por favor visitem o site).

Nos últimos anos vários movimentos por todo o mundo têm vindo a assumir posições e instrumentos de luta próprios dos movimentos libertários. A democracia de base e directa, a autogestão, a recusa do Estado e a afirmação inalienável dos direitos individuais constituem hoje referências importantes na luta pela construção de uma nova sociedade. Os zapatistas são disso um exemplo e mantêm contactos muito estreitos com movimentos libertários em todo o mundo. Esse é o caso também de muitas lutas indígenas em vários países da América do Sul e Central, que cada vez têm mais visibilidade. Ganha também relevo o posicionamento, cada vez mais perto das posições libertárias, dos vários movimentos que lutam pela independência do Curdistão. O principal líder do Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK), preso na Turquia há 14 anos – e que ontem veio propôr o fim da luta armada – é disso exemplo. Abdullah Öcalan e o seu partido, depois de uma fase inicial de afirmação marxista-leninista, abandonaram estas referências ideológicas (que hoje consideram “um erro”) e afirmam-se como socialistas anti-Estado e de raiz libertária. Noutros países, e junto de outros povos de religião muçulmana (árabes ou não), as referências libertárias também têm vindo a crescer rapidamente nos últimos anos, adequando-se perfeitamente, em muitos casos, às formas tradicionais de organização daqueles povos, muitas vezes assentes numa rede de clãs, tribos e comunidades locais que vêem o Estado como um intruso. (Nota CLE)

“O Confederalismo Democrático do Curdistão não é um sistema estatal, mas sim um sistema democrático de pessoas sem Estado. Com as mulheres e a juventude na vanguarda é um sistema no qual todos os sectores da sociedade desenvolverão as suas organizações democráticas próprias. É uma prática política exercida pelos cidadãos livres e confederados, em igualdade para escolherem os seus representantes regionais. Está baseado na sua própria força e perícia. O seu poder deriva das pessoas em todas as áreas e, incluindo a economia, procurar-se-à a auto-suficiência”.
Abdullah Öcalan, “Ao Povo Curdo e à Comunidade Internacional”.
 

O Confederalismo Democrático é a proposta de Abdullah Öcalan para uma solução para a questão curda, para os problemas do Médio Oriente, mas não apenas, já que considera que esta prática política pode ser a chave para a libertação e para a verdadeira democratização dos povos do mundo. O Confederalismo Democrático é o programa e o objectivo dos partidos e outros colectivos que se agrupam debaixo da sigla do KCK (União do Povo Curdo)

Ainda que na sua origem o PKK (Partido dos Trabalhadores Curdos) e Öcalan, como o seu principal ideólogo, lutassem a partir de uma perspectiva marxista-leninista pela criação de um Estado curdo, com o passar do tempo tornaram-se visíveis os erros desta concepção da libertação social e nacional e Abdullah Öcalan, influenciado por pensadores como o anarquista Murray Bookchin ou o sociólogo Immanuel Wallerstein evoluiu de um socialismo de raiz centralizadora e estatista para um socialismo de carácter libertário, um socialismo democrático, em que a administração “possa ser chamada administração política não estatal ou democracia sem Estado”.

Öcalan desenvolveu uma crítica ao Estado-Nação que o levou a interpretar o direito dos povos à autodeterminação como “a base para o estabelecimento de uma democracia de base, sem necessidade de procurar  novas fronteiras políticas”.

No seu livro “O Confederalismo Democrático” (pág. 21) , Öcalan apresenta esta forma de organização social do seguinte modo:

“Este tipo de autoridade ou administração pode ser chamada administração política não estatal ou democracia sem Estado. Os processos de tomada de decisão democráticos não devem ser confundidos com os processos conhecidos como os da administração pública. Os Estados só devem administrar enquanto as democracias governam. Os Estados estão fundados no poder, as democracias estão fundadas no consenso colectivo. O mandato no Estado é determinado por decreto, ainda que possa em parte ser legitimado através de eleições. As democracias utilizam o método de eleições directas. O Estado usa a coerção como meio legítimo. As democracias assentam na participação voluntária. O Confederalismo Democrático está aberto a outros grupos ou facções políticas. É flexível, multi-cultural, anti-monopólios e orientado para o consenso. A ecologia e o feminismo são pilares centrais. No quadro deste tipo de auto-administração tona-se necessária uma economia alternativa que incremente os recursos da sociedade em vez de explorá-los e assim dar resposta às múltiplas necessidades da sociedade”.
 

O Confederalismo Democrático recusa o centralismo e baseia o seu confederalismo na tradição e herança colectiva que, no povo curdo, se encontra na organização em clãs e tribal. Este tipo de organização sempre se opôs aos impérios e aos Estados que tentaram centralizam o poder, ainda que, como assinala Öcalan, estas formas sociais tribais também se possam converter em instituições parasitárias e, por isso, se devam integrar na luta pela mudança democrática.

No que diz respeito ao Estado, Öcalan é um profundo crítico do seu papel, mas entende que a sua abolição total não é possível para já, pelo que o Confederalismo Democrático é a ferramenta que a partir da organização de base democrática, à margem do controlo estatal, possibilitará a superação do Estado logo que se demonstrem as capacidades do Confederalismo Democrático. No entanto, esta convivência que pode existir com o Estado não significa uma subjugação a este, pois ainda que o Confederalismo Democrático defenda uma política de paz, as confederações democráticas devem manter as suas forças de autodefesa para se protegerem dos ataques do Estado (que Öcalan define como uma entidade militarmente estruturada e para quem a guerra e a militarização da sociedade são questões-chave) e assim exercerem o seu direito legítimo à defesa.

Como se pode ler no extracto citado da obra de Öcalan, este tipo de organização política não estatal requere uma organização económica alternativa, esta organização económica alternativa proposta pelo Confederalismo Democrático é o socialismo. Na origem do pensamento de Öcalan e do PKK, como já se disse, estava o marxismo-leninismo mas esta concepção da libertação social foi abandonada e criticada por Öcalan que colocou o socialismo democrático como alternativa à economia actual. Este socialismo tem um marcado carácter local e autogestionário, aliás como não podia ser de outro modo numa proposta política que recusa o Estado  e que assume a democracia directa como alternativa.

Por isso, tanto face à barbárie capitalista como à centralização do socialismo de Estado, o Confederalismo Democrático coloca a posse dos recursos económicos não nas mãos do Estado, mas sim na sociedade. Esta economia ter-se-á que focalizar numa redistribuição justa dos recursos económicos através dos benefícios sociais, não na acumulação de riqueza ou na sobreprodução. Tal como o expressa  Öcalan:

 “Uma das principais razões do deteriorar da sociedade está nos efeitos nocivos dos mercados financeiros. A produção de necessidades artificiais, a procura interminável de novos mercados de consumo e a cobiça sem limites de lucros cada vez maiores são os responsáveis pela diferença cada vez mais abismal entre pobres e ricos, fazendo aumentar diariamente o batalhão dos que vivem abaixo do limiar de pobreza ou incluso dos que passam fome. Uma política económica deste tipo já não é tolerável. Este é , por isso, o maior desafio do projecto socialista: implementar uma política económica alternativa que não aspire apenas ao lucro pelo lucro, mas sim a uma distribuição justa dos recursos e à plena satisfação das necessidades básicas do conjunto da sociedade”. “Guerra e Paz no Curdistão”, pág. 36.
 

O socialismo não é apenas uma alternativa económica para a distribuição justa dos recursos e para que estes estejam nas mãos da sociedade e não do Estado ou das corporações, mas é uma alternativa que se torna também necessária já que é a única que pode conservar o meio ambiente, sendo por isso a única compatível com outro dos pilares do Confederalismo Democrático: a ecologia. Esta importância da ecologia e a sua relação com o socialismo é resumida num fragmento de “Guerra e Paz no Curdistão”:

“Um modelo ecológico de sociedade é, por essência, um modelo socialista. O equilíbrio ecológico só é possível se passarmos duma sociedade alienada, baseada no despotismo, para uma sociedade socialista. Seria uma ilusão acreditarmos que a preservação do meio ambiente é compatível com o sistema capitalista. Pelo contrário, o sistema capitalista contribui avidamente paraa  devastação do meio ambiente. Deve ter-se seriamente em linha de conta a protecção ecológica no processo de mudança social”. “Guerra e Paz no Curdistão”, pág. 35
 

Outra das questões que o Confederalismo Democrático coloca como primordial e que é um dos pilares da sua proposta é a libertação da mulher.

Na sua crítica ao Estado, Öcalan assinala o sexismo como sendo um dos pilares ideológicos do Estado. Assinala como o Estado e o capitalismo convertem a mulher tanto em objecto sexual como em mercadoria e que só permitem que se desenvolva para que seja convertida num acessório da social patriarcal. Estabelece também uma relação entre o poder, o estatismo e o sexismo. Por isso um dos pilares do Confederalismo Democrático é o feminismo. Esta necessidade da luta pela emancipação da mulher ainda aumenta mais quando o islamismo sexista se impõe nos Estados que  ocupam o Curdistão, como é o caso da ditadura islâmica do Irão. Percebe-se assim que o PJAK (Partido pela Vida Livre do Curdistão), integrado no KCK e cujo âmbito de actuação é o território iraniano, esteja formado por numerosas mulheres que, como elas próprias dizem, lutam tanto pela libertação nacional como pela libertação feminina.

As liberdades individuais, como a liberdade de expressão e de decisão, são outras das bases do Confederalismo Democrático, pelas quais luta o KCK, e que juntamente a outros pontos já mencionados integram a proposta para a libertação do Curdistão, que é um exemplo para os povos do mundo.

Fonte: http://solidaridadkurdistan.wordpress.com/confederalismo-democratico/

http://www.alasbarricadas.org/noticias/node/24069

This entry was posted in artigos and tagged . Bookmark the permalink. Both comments and trackbacks are currently closed.