Por Nuno Ramos de Almeida
14/10/2014
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Os curdos são vítimas das fronteiras de regra e esquadro traçadas pelo colonialismo. São a maior nacionalidade sem estado. São mortos no Irã, assassinados na Turquia, gaseados no Iraque, reprimidos na Síria. Os burocratas de Bruxelas e os comandantes de drones de Washington declararam “terroristas” as organizações que combatem pela sua libertação. A vida tem sempre vários lados; os resistentes franceses eram enforcados como terroristas pelos nazis. Os judeus que morreram de armas na mão nas ruas do gueto de Varsóvia foram apelidados de bandidos, criminosos, pela imprensa dos seus carrascos. Os curdos resistiram contra tudo e contra todos durante dezenas de anos. A seu favor apenas a vontade de ser livres.
Uma noite em que dormi numa casa do PKK em Madrid, estava na cidade para preparar uma reportagem que fiz com as FARC colombianas, e tinha combinado a possibilidade de ir em reportagem para as áreas controladas pela guerrilha curda, vi uma série de vídeos de propaganda. Alguns tinham imagens de manifestantes curdos que se imolavam pelo fogo nas ruas da Alemanha, numa tentativa desesperada de chamar a atenção para um povo condenado à invisibilidade.
Com a queda do regime secular do Iraque e a guerra civil da Síria. as áreas curdas ganharam liberdade. “A Região Autônoma da Rojava é um dos poucos pontos brilhantes a emergir da tragédia da revolução síria. Depois de expulsar os agentes do regime de Assad, em 2011, e apesar da hostilidade de quase todos os seus vizinhos, Rojava não só manteve a sua independência como constitui uma experiência democrática notável. Foram criadas assembleias populares enquanto órgãos de decisão final, os conselhos foram constituídos com um cuidadoso equilíbrio étnico (em cada município, por exemplo, os três principais responsáveis têm de incluir um curdo, um árabe e um assírio ou armênio cristão, e pelo menos um dos três tem de ser uma mulher). Existe um exército feminista, a milícia YJA Star (União de Mulheres Livres, a estrela refere-se à antiga deusa mesopotâmica Ishtar), que realizou uma grande parte das operações de combate contra as forças do Estado islâmico”, escreve David Graeber, antropólogo e ativista do Occupy Wall Street no The Guardian.
Hoje em Kobane, as centenas de combatentes curdos que se batem contra o Estado Islâmico — vigiados ao longe pelos tanques turcos, que estão lá para evitar qualquer vitória destas pessoas sobre a morte — são dirigidos por uma mulher. Mais uma vez os curdos estão cercados: o Estado Islâmico e a maior potência da NATO na região querem afogar em sangue a semente da liberdade dos curdos e provar que não pode haver na região um povo livre em que as mulheres e os homens são iguais.